Sobre o Enem 2015: que o avanço das temáticas por mais direitos também se reflita no direito de estudar numa universidade pública!

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O tema da redação “A persistência da violência contra a mulher na sociedade brasileira” e as questões envolvendo Simone de Beauvoir, Paulo Freire, Agostinho Neto e David Harvey marcaram positivamente a edição 2015 do ENEM. Ao contrário das edições anteriores, em que temas importantes, como o feminismo, nunca haviam sido pautados, a redação foi o grande marco desta prova, pois muitas estudantes puderam dissertar sobre algo que sofrem cotidianamente, além de se apropriarem do debate e terem voz sobre o tema. 

 Por outro lado, o ENEM mantém seu caráter excludente, principalmente ao debatermos o que significa o vestibular, que mesmo quando apresenta uma faceta com temas mais progressistas, ainda é uma barreira que impede o ingresso de estudantes da periferia nas universidades, principalmente nas públicas. Ademais, o ENEM possui um caráter de vestibular na medida em que se presta a selecionar estudantes para ocupar determinadas vagas: sejam elas em Universidades públicas, privadas, cursos técnicos ou intercâmbios. É uma seleção. 

Na semana que antecedeu o ENEM, muitos jornais colocam que o vestibular é uma oportunidade para milhões de estudantes ingressarem em uma universidade, mas para os estudantes de escola pública, essa oportunidade, na verdade, é uma negação. É uma negação porque estes estudantes são obrigados a responder questões cujos conteúdos nunca foram ensinados nas escolas. Ora, se o ENEM serve como exame de avaliação do ensino médio, como avaliar aquilo que nunca foi ensinado? O ENEM, então, é um instrumento de exclusão no acesso ao ensino superior, servindo como verdadeiro funil social. Nisso, o perfil de estudante que ingressa em uma universidade pública é aquele que pode acessar uma escola (geralmente aquelas privadas e muito caras) cujo currículo é um treinamento para a prova. Em breve veremos grandes redes de ensino comemorando o desempenho de seus alunos. Isso porque o ENEM também é muito útil como publicidade para os empresários da educação. Entre dezenas de escolas privadas, algumas escolas públicas conseguem transpor essa barreira, algumas delas inclusive sob ameaça de fechamento pelo governo Alckmin. 

 Ainda que a prova do ENEM apresente um caráter conteudista e meritocrático, não podemos ignorar o fato de que 7 milhões de pessoas em todo o país fizeram a prova. Por isso foi uma grata surpresa ao ver questões que abordaram Simone de Beauvoir, que muito contribuiu para a luta das mulheres; Agostinho Neto, revolucionário e poeta que lutou pela libertação de Angola; Paulo Freire, inspiração para a Rede Emancipa e por muitos que defendem uma concepção libertadora para a educação e para a sociedade. Além disso, o tema da redação trouxe a importante reflexão sobre a violência contra as mulheres na sociedade brasileira. Esta presença se torna ainda mais vitoriosa em um período onde se retira direitos das mulheres com o avanço do PL 5069/13. 

Mas é importante ressaltar que esses assuntos ganharam visibilidade no espaço institucional e estão em uma prova como o ENEM porque é fruto de uma luta histórica das mulheres por igualdade de gênero e contra o machismo e não porque as instituições escolheram o tema por livre e espontânea vontade. O MEC, responsável por aplicar o exame, é uma repartição do governo federal. Se o governo de fato defende a luta das mulheres a ponto de abordar Beauvoir na avaliação, como pode ele ter Eduardo Cunha como seu aliado? Como propor uma questão em que a resposta é a “igualdade de gênero”, sendo que o termo “gênero” foi retirado dos planos de educação em nível federal e municipal? Como defender uma educação pública e de qualidade se setores mais conservadores da política se esforçam para aprovar a tal da “escola sem partido”, na qual proíbe os professores de discutir política em suas aulas (isso inclui a pauta feminista)? 

  É muito importante que feminismo, antirracismo e educação emancipadora sejam temas discutidos amplamente e que estejam presente nos debates sobre nossa sociedade. Mas se o ENEM tem a função contraditória de avaliar os estudantes e, ao mesmo tempo, ferramenta de exclusão, como exigir dos vestibulandos questões sobre feminismo e pedagogia problematizadora se esse debate não é feito nas escolas? Mais importante do que responder sobre Simone de Beauvoir no Enem, é discutir igualdade de gênero nas escolas. Mais importante do que ler Agostinho Neto no ENEM, é garantir a leitura de história e literatura africana nas escolas. Mais importante do que falar de Paulo Freire no ENEM, é ter espaços para construção de uma educação libertadora. 

Nós, da Rede Emancipa, lutamos para que a universidade seja para todos e todas e por mais democracia nas escolas. O acesso ao ensino superior não se restringe apenas ao vestibular, mas toda a jornada que um estudante de escola pública trilha até chegar no dia da prova. Isso significa que nossos estudantes periféricos, mulheres, negros e negras, LGBTs enfrentam a pobreza, o sucateamento das escolas, o machismo, o racismo e a LGBTfobia como mais barreiras para entrar na universidade, além da prova. Por isso, problematizamos todas essas questões em nossos cursinhos. Enfatizamos o acerto que a Rede Emancipa tem em construir cursinhos que façam o debate sobre a nossa realidade e entender o conhecimento que construímos em nossas aulas passa pela nossa visão crítica do mundo.


FONTE http://redeemancipa.org.br/